[10/03/2025]
Com mais de 60 anos de apoio a físicos da América Latina e forte atuação na construção e desenvolvimento da pesquisa no continente, o Centro Latino-Americano de Física (CLAF) inicia nova gestão, liderada por Ulisses Barres de Almeida, também pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) no Rio de Janeiro (RJ).
Apoiado pela Unesco desde seus primeiros anos, o CLAF priorizou o desenvolvimento da física em países latino-americanos, o intercâmbio de pesquisadores e estudantes, a realização de Escolas, priorizando as atividades de interesse regional, buscando a integração local da Física e dos físicos. Seu papel é, e sempre foi, notável para a política científica do continente.
O novo diretor do Centro – que atuou nos últimos dois anos como vice-diretor da instituição – traz em sua bagagem a liderança de colaborações internacionais, como o SWGO e a atuação em projetos ligados às Nações Unidas, o que aumentou seu conhecimento do cenário da física Latino-Americana e sua conexão com pesquisadores da região.
Além disso, destaca que sua afeição pela instituição é o elemento principal para ocupar o cargo de diretor e credita parte desse sentimento aos ensinamentos de seu amigo e mentor, Ronald Shellard, diretor do CBPF de 2016, até sua morte em dezembro de 2021. “O Shellard entendia perfeitamente a importância e o valor do CLAF como uma instituição de política científica para a América Latina, e nutria grande estima por este centro. Muito da visão que tenho sobre o CLAF hoje, eu aprendi dele”.
Nomeado no dia 1° de março deste ano, Ulisses destacou em suas propostas o compromisso com os jovens físicos no contexto Latino-Americano: “o futuro da física será feito pelos jovens e o CLAF deve retomar com excelência seus programas de apoio à formação de novos pesquisadores no Continente”. Além disso, pontuou os desafios da nova gestão: “O maior desafio é a realização do seu potencial regional (...) É preciso, portanto, investir em ações de integração e cooperação regionais quem visem mitigar os problemas e alcançar os objetivos estratégicos comuns, como tem feito a Europa desde meados do século XX, através de instituições emblemáticas como o CERN”.
Missão do CLAF
“A missão do CLAF é promover o desenvolvimento da física na América Latina, e neste sentido é de fato muito apropriado falar em integração e inclusão: inclusão dos países no circuito internacional da pesquisa em física, e integração entre os países latino-americanos, que devem trabalhar de maneira mais colaborativa para alcançar um maior grau de desenvolvimento científico e tecnológico para o benefício de cada país e de todo o continente coletivamente”, conclui Barres.
NCS/CBPF
Leia abaixo a entrevista completa do diretor ao Núcleo de Comunicações Sociais do CBPF
NCS / CBPF: Quais aspectos da sua trajetória profissional o prepararam para lidar com os desafios de dirigir o CLAF?
Ulisses Barres: Eu vejo três aspectos da minha trajetória que, primeiro, me motivaram, e junto disso, ajudaram a me preparar para lidar com os desafios que vou encontrar na direção do CLAF.
O primeiro deles, que ressalto com especial importância, foi a estreita convivência, durante quase uma década, com meu saudoso amigo e mentor, Ronald Shellard, diretor do CBPF de 2016, até sua morte em Dezembro de 2021. O Shellard entendia perfeitamente a importância e o valor do CLAF como uma instituição de política científica para a América Latina, e nutria grande estima por este Centro. Muito da visão que tenho sobre o CLAF hoje, eu aprendi dele. Mas acredito que a estima seja talvez o elemento principal. A posição de diretor é primeiro de tudo uma posição de serviço à instituição, e para servir bem qualquer coisa, é necessário ter afeição, pois só podemos servirmos àquilo que estimamos.
O segundo aspecto foi minha atuação nas grandes colaborações internacionais, características da minha área de pesquisa em Astrofísica de Partículas. Esses projetos, altamente internacionalizados, envolvendo centenas de cientistas e dezenas de países, me ensinaram como funciona a ciência em diversos países pelo mundo todo, e como funciona a ciência internacional, seus mecanismos de financiamento e instrumentos de cooperação. E o CLAF é o instrumento por excelência da cooperação em Física na América Latina. Em particular, desde 2021, sou um dos responsáveis pelo SWGO (www.swgo.org), um grande projeto internacional para a construção de um observatório de raios-gama a 5 mil metros de altitude nos Andes, que hoje envolve 16 países e mais de 200 cientistas. Cerca de 20% do contingente de institutos e pesquisadores envolvidos neste projeto são Latino-Americanos e a experiência dos últimos anos me permitiu portanto conhecer mais a fundo o cenário da Física Latino-Americana.
Por fim, foi certamente fundamental a minha experiência como vice-diretor do CLAF nos últimos dois anos, e também minha atuação frente a projetos junto às Nações Unidas. O CLAF nasceu no ano de 1962, no contexto das organizações inter-governamentais que buscavam reforçar a cooperação entre os países no período do pós-Segunda Guerra, e sua fundação e atuação estiveram diretamente ligadas à UNESCO. Portanto, considero meu conhecimento do sistema da Nações Unidas como central para a atuação junto ao CLAF.
NCS / CBPF: Quais são os maiores desafios que você enxerga para o desenvolvimento da Física na América Latina?
Ulisses Barres: Para além das conhecidas dificuldades locais que enfrentam a maioria dos países do nosso continente no que diz respeito ao financiamento estável da pesquisa científica, de uma frequente falta de visão estratégica e consistente acerca do desenvolvimento científico, e do fato que, muitas vezes, a ciência está de fora dos projetos políticos das nações latino-americanas - para além dessas dificuldades, talvez o maior desafio para o desenvolvimento da Física na América Latina seja a realização do seu potencial regional.
Os países mais desenvolvidos do continente têm uma grande tradição de cooperação frutífera e de sucesso com os Estados Unidos e a Europa - e agora começam a ter também com a China - e por meio dela lograram avançar a ciência nacional. Há porém um déficit persistente de ações de cooperação regional que hoje, de um modo que era inexistente quando foi criado o CLAF, guarda um enorme potencial de crescimento, justamente porque o continente avançou muito cientificamente.
É preciso portanto investir fortemente em ações de integração e cooperação regionais que visem atacar os problemas e alcançar objetivos estratégicos comuns, bem como lançar desafios comuns que levem ao desenvolvimento da região, como tem sido feito na Europa desde o meio do Século XX, através de instituições emblemáticas como o CERN.
Desta maneira a Física e a ciência como um todo poderão melhor contribuir para o desenvolvimento regional latino-americano, unindo forças para explorar a enorme riqueza natural, humana e o potencial industrial que tem o nosso continente. E o CLAF, por sua natureza de organização internacional, deve buscar ter um papel estratégico como facilitador dessa integração, através das comunidades científicas, e por meio das instituições e dos governos.
NCS / CBPF: Qual o papel do Centro na integração das diferentes realidades científicas da região e na promoção de uma ciência mais inclusiva?
Ulisses Barres: A missão do CLAF é promover o desenvolvimento da física na América Latina, e neste sentido é de fato muito apropriado falar em integração e inclusão: inclusão dos países no circuito internacional da pesquisa em física, e integração entre os países latino-americanos, que devem trabalhar de maneira mais colaborativa para alcançar um maior grau de desenvolvimento científico e tecnológico para o benefício de cada país e de todo o continente coletivamente.
E aqui, a missão do CLAF se apóia num tripé que eu vejo consistir em:
(i) ações institucionais direcionadas a viabilizar atividades para o desenvolvimento da física latino-americana, seja do ponto de vista da captação de recursos, seja do ponto de vista de reunir o apoio político necessário para que elas possam fruir, servindo de instrumento supra-nacional para a comunidade e os países.
(ii) promoção de atividades de formação de recursos humanos, ajudando a capacitar as novas gerações de físicos e pesquisadores que formarão o futuro da física no continente, como tradicionalmente tem sido o papel do CLAF; aqui é importante atentar para a necessidade de contribuir na formação de recursos humanos que possam atuar em setores para além da academia, ajudando no desenvolvimento tecnológico da região.
(iii) e finalmente, atuar como um instrumento de política e diplomacia científicas, servindo como ferramenta dos estados membros para ações regionais relevantes, fazendo pontes de diálogo, buscando caminhos de cooperação, e contribuindo para que se realizem ações supra-nacionais em prol do desenvolvimento científico de toda a região - realizando assim, de maneira integral, o papel singular do CLAF de instituição científica intergovernamental.