CLAF e MCTI promovem seminário sobre colaboração em física na América Latina

Postado em: 15/DEZ/2025 Categoria: Institucional

[15/12/2025]

O Centro Latino-Americano de Física (CLAF) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) promoveram, no último dia 5 de dezembro, em Brasília, seminário sobre perspectivas de colaboração científica em física na América Latina.

A essência do encontro – que reuniu embaixadores, autoridades governamentais e pesquisadores de vários países – pode ser resumida pela seguinte expressão: diplomacia em prol da ciência e ciência para promover a diplomacia.

 O ‘CLAF-MCTI High-Level Seminar – Perspectives for Scientific Collaboration in Physics in Latin-America’, com cerca de 45 participantes, de 12 países, se estendeu ao longo do dia, na sede do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Houve quatro grandes painéis, palestras sobre temáticas específicas e assinatura de acordo em que o CNPq cede ao CLAF, a partir do ano que vem, bolsas de doutorado e pós-doutorado para estudantes da região – ver, neste portal, ‘CLAF e CNPq assinam acordo de cooperação para bolsas de pós-graduação e pós-doc em física’.

Na cerimônia de abertura, falaram o físico e historiador da ciência Olival Freire Júnior, presidente do CNPq; o físico experimental Ulisses Barres de Almeida, diretor do CLAF e pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ); e Carlos Matsumoto, chefe da assessoria especial de assuntos internacionais do MCTI.

 


Visão geral dos participantes do seminário promovido pelo CLAF e MCTI em Brasília
Crédito: Marcelo Gondim/CNPq

 

Diplomacia para a ciência

Tendo como moderador o físico chileno Luis Huerta Torchio, ex-diretor do CLAF, o primeiro painel reuniu embaixadores de cinco países latino-americanos, que falaram sobre perspectivas nacionais em cooperação científica na América Latina.

Participaram do painel Carlos Eugenio de Alba, embaixador do México em Brasília; embaixador Eugênio Vargas Garcia, diretor do Departamento de Ciência, Tecnologia e Propriedade Intelectual do Itamaraty; embaixador Sebastián Depolo. embaixador do Chile em Brasília; Norman Lizano Ortiz, embaixador da Costa Rica em Brasília; e Guillermo Daniel Raimondi, embaixador da Argentina em Brasília.

A ênfase das apresentações foi a chamada ‘diplomacia para a ciência’ – ou seja, como a política exterior e as relações internacionais podem promover tanto a ciência quanto a colaboração científica na América Latina.

Ao fim das apresentações, o moderador, Huerta Torchio, disse que o CLAF deveria ir além de seu papel como instituição de colaboração científica e promoção da física, agindo como “uma agência estratégica” da região.

 Sul Global, Unesco e história

Em seguida, vieram as intervenções sobre temáticas específicas. O físico experimental Marcelo Knobel, diretor executivo da Academia Mundial de Ciências (TWAS) e ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), centrou sua fala no chamado ‘Sul Global’, conceito geopolítico que designa basicamente países da América Latina, África e Ásia. Ao destacar a larga participação dessa região na produção científica mundial, enfatizou que o “o Sul Global não é mais considerado periferia”.

O físico guatemalteco Fernando Quevedo, professor da Universidade de Nova York em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos) e da Universidade de Cambridge (Reino Unido), apresentou quadro geral da física de altas energias na América Latina, destacando os principais experimentos na região e aqueles dos quais pesquisadores latino-americanos participam em outros continentes – como o Centro Europeu de Pesquisa Nucleares (Suíça) e o Laboratório Fermi (EUA). Ao fim de sua fala, lançou questões sobre se deveria haver um programa conjunto de doutorado para a região e se a América Latina deveria participar como “um bloco” do Futuro Colisor Circular – acelerador com cerca de 90 km de extensão planejado pelo CERN para as próximas décadas.

O economista Guillermo Anlló, especialista de programa do Escritório Regional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para a América Latina e Caribe, reforçou a importância do papel da colaboração científica em um mundo sob mudanças geopolíticas drásticas e crises que afetam todas as nações, como as mudanças climáticas. “Precisamos de mais ciência e diplomacia”, para enfrentar esse cenário. “Este encontro é um exemplo disso”, disse.

O historiador da ciência Antonio Augusto Passos Videira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador visitante do CBPF, apresentou análise histórica da fundação do CLAF, no contexto da Guerra Fria, da Big Science e do cenário político e econômico da região naquele início da década de 1960, no qual os governos não viam a ciência motor para o desenvolvimento. “É uma história que ainda está por se escrever”, disse, destacando que os cientistas fundadores do CLAF “agiram como diplomatas”, para enfatizar “a relevância social da física” para a região.


Almeida (esq.) e Freire Júnior, depois de assinatura de acordo de bolsas
Crédito: Marcelo Gondim/CNPq

 

Cooperação na região

Finalizando a parte matutina do seminário, o segundo painel foi mediado pela cientista da computação Adriana Cursino-Thomé, coordenadora-geral de cooperação multilateral do MCTI. Os convidados falaram sobre oportunidades de cooperação científica na América Latina.

Participaram o físico experimental Rubem Sommer, pesquisador do CBPF; a física argentina Silvina Ponce Dawson, presidente da União Internacional de Física Pura e Aplicada (UIPAP); Matsumoto, do MCTI; Ignacio Silva Santa Cruz, chefe da Divisão de Tecnologias Emergentes do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Conhecimento do Chile; e Fabio Eon, coordenador de ciências naturais da Unesco em Brasília.

Sommer apresentou visão geral do CBPF, enfatizando o atual papel preponderante do desenvolvimento de instrumentação científica. Também apresentou imagens sobre como ficará, depois da reforma, o Pavilhão Mário de Almeida, primeira sede própria do CBPF e sede histórica do CLAF, no Rio de Janeiro (RJ).

Dawson, ao fim de sua fala, lançou o desafio de se estabelecer uma agência para o financiamento da ciência regional. “Quando as verbas vêm de fora, a colaboração [regional] se enfraquece”, disse. Matsumoto disse que o governo se esforça para que os investimentos em ciência no Brasil atinjam 2% do Produto Interno Bruto e que coordenação é a chave para a colaboração na região “Não é fácil, mas é a melhor alternativa”.

Santa Cruz ressaltou a importância da entrada do Chile como Estado Membro Associado do CERN, oficializada ano passado – e, no momento, à espera da ratificação no congresso chileno. Destacou também o programa nacional para que seu país forneça cobre de altíssima pureza para instituições científicas e indústria de outros países.

Eon destacou o papel da Unesco para diminuir as assimetrias por meio da ciência. Disse que os vários escritórios regionais da instituição – com grande número de especialistas – estão à disposição dos pesquisadores latino-americanos para a promoção da ciência. Por fim, ressaltou que a instituição têm vasto acervo (de livre acesso) de documentos de normatização sobre temas científicos.

 

Grandes estruturas

As atividades da parte da tarde do seminário se iniciaram com o terceiro painel, cujo tema foi o papel das grandes infraestruturas de pesquisa para a cooperação científica. A mediação foi de Sommer, do CBPF.

Os palestrantes foram o físico Salvatore Mele, assessor sênior de relações internacionais do CERN; a engenheira Karina Pierpauli, da Comissão Nacional de Energia Atômica, da Argentina (CNEA); José Antônio Roque, diretor do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM); e o biofísico eslovaco Norbert Kucerka, diretor do Laboratório Frank de Física de Nêutrons, uma das instalações do Instituto Central de Pesquisas Nucleares (JINR), em Dubna, na região de Moscou.

Mele descreveu inicialmente as tecnologias geradas pelo CERN – e que são repassadas para a indústria. No fim de sua fala, destacou que, desde de 2020, o número de pesquisadores latino-americanos no laboratório europeu cresceu cerca de sete vezes. “Estamos observando um momento da América Latina no CERN”, disse.

Pierpauli deu um quadro geral da estrutura nuclear da Argentina, enfatizando os vários campos e aplicações dessa área, com transferência de tecnologia para a indústria. Entre os vários reatores do país, destacou o RA-10, que, em atual fase de construção, servirá para a produção de radioisótopos para aplicações médicas – o Brasil desenvolve máquina semelhante, o Reator Multipropósito Brasileiro.

Roque apresentou esboço da infraestrutura e das pesquisas do CNPEM e de sua estreita colaboração com a indústria brasileira. Falou do Órion, laboratório de alta biossegurança que será o primeiro do mundo conectado a uma linha de radiação síncrotron, gerada pelo acelerador de elétrons Sírius, do CNPEM. Destacou acordo com o CERN para o fornecimento de equipamentos supercondutores para o FCC.

Kucerka delineou a vasta estrutura de equipamentos e laboratórios do JINR, com o qual o Brasil mantém parceria por meio de memorando de entendimento assinado este ano entre o instituto e o MCTI. O JINR tem renome internacional pela produção dos chamados ‘superpesados’, elementos químicos instáveis cujo número de prótons está acima de 100.

 

 


A partir da esq., Matsumoto, do MCTI, Almeida, do CLAF, e Freire Júnior, do CNPq
Crédito: Marcelo Gondim/CNPq

 

CLAF hoje

O último do painéis reuniu ex-diretores e especialistas para discutir o papel atual do CLAF. Falaram Huerta Torchio; o físico Alberto Baruj, vice-presidente de assuntos tecnológicos do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet), da Argentina; o físico Carlos Alberto Aragão, diretor de desenvolvimento científico e tecnológico da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Brasil; e Anlló, da Unesco. O painel foi mediado por Dawson, da IUPAP.

Torchio disse que o seminário “redefine o CLAF”, marcando uma “nova era” para a instituição, que, repetiu ele, deveria agir “como ator de diplomacia para a ciência”. Baruj fez comentário semelhante: o CLAF “tem agora um novo início”, enfatizando a importância do centro numa região em que, em muitos países, a “ciência permanece ou errática, ou simbólica”.

Aragão centrou sua fala no papel da Finep para o financiamento de projetos acadêmicos e para a indústria, em áreas como infraestrutura, inovação, física nuclear, inteligência artificial, tecnologias quânticas, bioeconomia e cooperação internacional. Disse que o CLAF deveria, de agora em diante, “agir como um bóson intermediário” – referência às partículas que ‘carregam’ as forças da natureza –, atuando por meio da diplomacia para a ciência, a qual, segundo ele, tem a capacidade de influenciar governantes.

 Anlló ressaltou os desafios para a cooperação científica. “Como a pomos em prática?”, perguntou. Disse que o encontro é uma oportunidade para que o CLAF “estabeleça sua própria diplomacia” e não aquela de seus países membros. 

 Dawson, ao fim do painel, lançou “provocação” aos participantes: na era em que a biologia é considerada “a rainha das ciências”, como convencer governantes de que a física é importante. As respostas foram, em geral, consensuais: a física é a ciência com vasto número de aplicações (inteligência artificial, tecnologias quânticas, transição energética, mudanças climáticas, por exemplo), força motriz por traz da resolução de problemas multidisciplinares, como é o caso de estudos biológicos e biomédicos feitos com o uso de aceleradores.

 Encerramento

 Encerrando o seminário, Ulisses Barres de Almeida, diretor do CLAF, afirmou que a presença de cinco embaixadores, bem como de autoridades e pesquisadores de várias partes do mundo, “mostram a relevância do CLAF”, que, para ele, tem papel fundamental como “ponto de convergência” dos interesses da comunidade de física da América Latina.

Almeida, complementando a analogia de seu colega da Finep, disse que o CLAF, talvez, desempenhe mais o “papel dos glúons” – partículas que agem como ‘cola’ no núcleo atômico – do que o de bósons. “Seja como for, o CLAF tem legitimidade e deve ser uma arena de discussão das oportunidades atuais para a física da região”, disse. “Até porque essas oportunidades mudam com os tempos”, completou.

O seminário em Brasília foi o segundo grande encontro internacional promovido pelo CLAF este ano. No último dia 14 de novembro, no CBPF, houve o ‘CLAF Symposium – Opportunities for Latin-American Cooperation in High-Energy Physics with CERN’, que contou com a participação de cerca de 60 pesquisadores da América Latina e Europa – ver, neste portal, ‘Simpósio do CLAF discute oportunidades para a América Latina em Física de Altas Energias’.

Por: Cássio Leite Vieira

 

Mais informações:

 

CLAF: https://claffisica.org.br/
MCTI: https://www.gov.br/mcti/pt-br
CNPq: https://www.gov.br/cnpq/pt-br
Finep: http://www.finep.gov.br/
Simpósio do CLAF: https://claffisica.org.br/news-item/simpsio-do-claf-discute-oportunidades-para-a-amrica-latina-em-fsica-de-altas-energias
Acordo de bolsas CLAF-CNPq: https://claffisica.org.br/news-item/claf-e-cnpq-assinam-acordo-de-cooperao-para-bolsas-de-ps-graduao-e-ps-doc-em-fsica